quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Literatura e Cinema: uma reflexão


Entre as tendências de estudos teóricos voltados a objetos culturais e à arte contemporânea, a inclinação interdisciplinar é uma das mais vigorosas, sendo a que investiga as relações entre o cinema e a literatura. A quantidade de livros que já receberam versões fílmicas, o desafio de transformar o conteúdo de um livro em roteiro cinematográfico, bem com suas relações com a História e as respectivas ressonâncias culturais são apenas alguns dos estímulos às abordagens que investigam e aprofundam interpretativamente o diálogo entre a literatura e a arte cinematográfica.

É antigo o contato entre a literatura e as demais artes. Suas origens remontam à Antiguidade, quando os limites entre música, história, pintura e poesia, por exemplo, não constituíam tema para reflexão pelo simples motivo de que eram vistas como parte de um processo natural de expressividade. No decorrer dos séculos, o homem se viu cada vez mais impelido a explorar individualmente cada área das artes e das ciências. Tendência que surgiu com a segmentação do saber, que culminou com a criação das disciplinas como as conhecemos desde o século XIX.

Atualmente, dispomos de um arcabouço teórico específico para cada área, embora, nas manifestações artísticas propriamente ditas, o diálogo entre elas persista, incluindo, além de disciplinas do porte da História, Filosofia e dos Estudos Literários, todo o acervo de novas formas de expressão como a pintura, fotografia e o cinema, entre outros. A ênfase no estudo dos vínculos entre cinema e literatura se deve ao fato de que desde os primeiros filmes até os dias atuais, embora já não exclusivamente, os filmes tomam por base obras literárias para adaptação.

A adaptação de um texto literário ao cinema sempre desperta comentários acerca da “fidelidade” do diretor ou da “infidelidade” da obra fílmica. Isso significa que a leitura comparativa leiga é automaticamente acionada no público que conhece a obra que serviu de base ao filme. Isso porém, revela-se problemático , uma vez que submete o filme aos significados do texto literário, em geral, limitando a pluralidade da criação cinematográfica venha a propor na sua autonomia de obra artística cujos sentidos estéticos e culturais possam remeter a outros horizontes.

A fim de evitar essa perspectiva redutora, muitos estudos de adaptação de obras literárias ao cinema propõem análises mais contextualizadas do filme adaptado, respeitando o momento histórico-cultural em que ele é produzido e inserindo-o nos vários discursos que o constituem. No caso do Rio Grande do Sul, somando-se à nossa história política e cultural, muito peculiares no cenário nacional, temos um cinema que reforça e reitera aspectos culturais e literários com grande intensidade. Um significativo número de obras cinematográficas baseadas em adaptações de obras literárias com pano de fundo histórico requer um olhar mais detido. Foi partindo dessa observação que surgiram os objetivos do grupo de estudos de Cinema e Literatura no Rio Grande do Sul.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

HISTÓRIA E LITERATURA

Tânia Rousselet Possani

História e Literatura, de Luiz Antonio de Assis Brasil (2000), trata sobre as possíveis relações entre a história e a literatura, para as quais, segundo o autor (p.257), se faz necessária a revisão de algumas questões conceituais, pois, “de um lado há a história, que tem função descritiva e reflexiva ao mesmo tempo, ou seja, descreve o episódio histórico em sua verdade factual, analisando-o sob o ângulo crítico, através de diversas correntes teóricas. De outro lado, está a literatura, cuja verdade restringe-se simplesmente ao âmbito estético.”
Assis Brasil destaca que nenhuma dessas áreas está disposta a abrir mão dessas qualificações. Há uma espécie de “acordo”, através do qual nem a história faz literatura – a não ser no plano formal – para não perder seu vigor, nem a literatura deve pretender a escritura da história, para não comprometer sua identidade. O autor acrescenta que não se pode deixar in albis, ou seja, em branco, o fato de que o diletante da história, aquele que gosta de história, mas que não é historiador, quase sempre a lê como se lesse um livro de literatura, pois, no texto histórico, estão presentes os elementos da narrativa literária: enredo, personagens, tempo, espaço, etc. Alguns historiadores se destacam mais pela suas virtudes narradoras do que pela imparcialidade e cientificidade de seu texto. Razão pela qual justifica-se a discussão em torno dessas relações e, de uma certa forma, a agrava.
Devido ao seu compromisso estético, não se pode exigir da literatura o paralelo com a descrição e interpretação do fato, pois os parâmetros para sua crítica situam-se no plano da teoria literária. Além disso, a literatura trabalha com um elemento vital: a ambigüidade, a qual abre as portas da fantasia do leitor. Isso jamais poderá ser aceito pela história, que não pode deixar da razão integradora e racional. Porém, se retirada a ambiguidade da literatura, como diz Assis Brasil (p.258), “meios-tons, subtexto, zonas crepusculares e inefáveis: eis a matéria prima da literatura”, haverá o relato. Sob esse olhar, a literatura está longe dos objetivos da história.
Observando sobre o “famigerado” romance histórico, conforme designa Assis Brasil (p.258), é um gênero supostamente inventado pela pós-modernidade. O autor argumenta que “essa expressão é usada sem nenhum critério para qualquer forma narrativa que ocorra no passado, ou que envolva personagens históricos, ou que, de uma forma ou de outra, refira-se a acontecimentos pregressos. “Dessa forma, o romance tradicional, designado pela crítica e, há pouco tempo, muito apreciado por leitores menos exigentes, é o texto narrativo no qual o autor abdica de seu tempo, torna-se apenas uma testemunha dos fatos, procura agir como as personagens históricas pensariam ou reagiriam, e tenta reconstruir, através da ficção, o episódio histórico, detalhe por detalhe, batalha por batalha, feito heroico, por heroico. Como se pode constatar nos escritores Walter Scott, Alexandre Herculano e Paulo Setúbal. Nesse caso, o papel do escritor é absolutamente passivo, pois à luz do documento – tal como faria o historiador – pretende reconstruir a história, preenchendo cuidadosamente as lacunas, criando supostos diálogos, descrevendo cenários e levantando hábitos e práticas culturais.
O autor do dito romance histórico de hoje, como destaca Assis Brasil (p. 259), tem uma atitude diferente, que resulta num texto também diferente do romance tradicional, pois o compromisso do autor de hoje é com o estético, e, por isso, não renuncia a seu próprio tempo. “É alguém que rememora o episódio histórico, mas sem arredar pé de sua condição de intelectual de hoje, com critérios de hoje, com valores de hoje, com a estética de hoje, e com profunda intencionalidade.” Motivo pelo qual, autoriza-se não a interpretar, mas a reinterpretar o fato no processo narrativo. Assim, ele pode comentar, projetar, deformar, formulando hipóteses como se fossem realidade; enfim, comporta-se como um verdadeiro artista. Como não tem compromisso com o fato material, pode inclusive criá-lo ou suprimi-lo. É o caso de Saramago, seu romance Memorial do convento é uma visão pessoal e ideológica sobre a construção do convento de Mafra, mas em nenhum momento esse autor se deixou seduzir pela documentalidade, pela descrição pura e simples, pela reconstituição. E isso eleva essa obra ao patamar de autêntica literatura.
Assis Brasil declara que é muito simples a razão dessa audácia reinterpretadora: é que o romancista não faz história. O motivo é verdadeiro, as vertentes são factuais, no entanto, o texto resulta em literatura. Assim, pretender que o chamado romancista histórico contemporâneo seja fiel ao documento é o mesmo, por exemplo, que negar a pintura, que, segundo alguns afoitos, teria sido superada depois da invenção da fotografia.
Ainda não se chegou a um consenso. Assis Brasil (p.260) diz que tudo o que foi dito anteriormente é abalado por uma questão inquietante e sempre ignorada: quando começa a história? Ontem? Há uma semana? Há dois anos? Parece que os historiadores ainda não chegaram a um consenso. O que pensar de romances como Agosto, de Rubem Fonseca, que desenvolve sua trama em 1954? Ou Mês dos cães danados, de Moacyr Scliar, situado no período da Legalidade de 1961? Se um romance se situasse à sua volta da ascensão e queda de Collor, como classificá-lo? Como enquadraríamos o texto romanesco que envolvesse as múltiplas coligações que levaram à vitória do presidente Fernando Henrique Cardoso? Estamos nos aproximando dos dias atuais, isto é, da história in Jieri - seria isso um romance histórico? Assis Brasil (idem) ressalta que, a pensar dessa forma, teríamos de considerar como histórica as obras como Os Maias, A comédia da vida humana, Tom Jones e Madame Bovary, que tratam de situações históricas rigorosamente contemporâneas à vida do autor.
Além disso, há nuanças que devem ser consideradas: se A guerra do fim do mundo, de Vargas Llosa, está razoavelmente limitado ao fato histórico, há obras que subvertem e carnavalizam a história, como A cidade dos padres, de Deonísio da Silva. Neste último, as personagens misturam-se de modo tumultuário, desenvolvendo assincronias fascinantes. O fato histórico está lá, mas desfigurado pela licença da ficção. Também estamos ante um romance histórico, com tantas ambigüidades? Seguindo a reflexão, Assis Brasil (p.261) instiga, perguntando como enquadraríamos um romance como O nome da rosa, de Humberto Eco, passado em plena Idade Média, mas que discute a teologia e a prática eclesiástica? De amor e outros demônios, de Garcia Márquez – cuja ação acontece no século VVIII – seria um romance histórico, apesar de ter todos os elementos de uma literatura de caráter introspectivo? Mesmo o texto intimista, talvez o menos histórico de todos, deve possuir cenário social e político que, por vezes, até decide as ações das personagens, fazendo-as agir de determinada maneira. Werther e seu dilema amoroso é o resultado das múltiplas intersecções da moral setecentista, às voltas com o romantismo nascente. Isso é cultura, logo, é objeto da história.
Dessa forma, Assis Brasil (p.261) finaliza seu texto com a reflexão de que “considerando essas ideias que nos conduzem às impossibilidades da definição do gênero romance histórico, e ainda para radicalizar, tendo como evidente que a narrativa ficcional sempre estará situada num determinado tempo e num certo espaço – na história, portanto – fica a pergunta: não será histórico todo e qualquer romance?”

ASSIS BRASIL, Luiz António. Literatura e História in: masina, Léa; APPEL, Myrna Bier. A Geração de 30 no Rio Grande do Sul: literatura e artes plásticas. Porto Alegre: Ed. Universidade, 2000.


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A HISTÓRIA DO CINEMA

INÍCIO DO CINEMATÓGRAFO: 28 de dezembro de 1895, no subsolo do Grand Café, no Boulevard des Capucines, em Paris , tendo como organizador Antoine Lumière.
Seus filhos Auguste e Louis construíram um aparelho para fins de obtenção e visão de provas cronofotográficas (um meio de análise do movimento por meio de fotografias tiradas sucessivamente com intervalos iguais, que são exatamente as medidas que dão a ilusão de movimento e constituem o fundamento teórico do cinema).

O filme é basicamente uma história contada em imagens, mas que por trás dela, há outra longa história: a do cinema, que por muito tempo desenvolveu e estabeleceu métodos sobre como narrar um acontecimento.
A primeira exibição pública do filme dos irmãos Lumière, A chegada do trem na estação Ciotat, foi vista com espanto pelos espectadores.
A cena vista hoje nos parece simples: um trem aparece ao longe e entra em uma estação, vindo em direção a Câmera, que assustou os espectadores, como se o trem fosse invadir a sala do cinema.
Os irmãos Louis e Auguste Lumière pareciam não ter muita consciência de terem criado um meio de expressão importante e diziam até que o cinema era uma invenção sem futuro.
No final do século XVIII, o cinema começa a tomar forma artística através do francês Georges Méliès, um ilusionista, que oportunamente percebeu a potencialidade da câmera de filmar. Ele criou a trucagem (efeitos especiais), em princípio, por acaso, quando a câmera dele parou, e ao voltar a funcionar, depois do filme pronto, ele viu que os objetos e as pessoas não ocupavam as posições anteriores e que poderia fazer sistematicamente essas paradas, dando a impressão de que fazia surgir e desaparecer coisas, como um ilusionista.
Méliès encantou o público da época com filmes em que um diabo bem-humorado tirava as coisas do lugar. Entre os filmes: Viagem Lua, Viagens de Gulliver, Aventuras de Robinson Crusoé, episódios da história francesa como O caso Dreyfuss e Joana d’Arc, mas infelizmente entrou em decadência na primeira década no século XIX.
Os filmes, no início do século XX, imitavam os espetáculos teatrais, assim como qualquer outra arte que começa. A câmera ficava imóvel para os acontecimentos e os espectadores em poltronas, como para assistir a uma peça.
Paulatinamente, isso vai se modificando, com a câmera acompanhando os atores em movimento. Logo após, vai mostrando as cenas, ora de perto, ora de longe, dependendo do que a cena exige. A isso se dá o nome de montagem (vários planos que se encaixam), e, finalmente, se constituem numa linguagem cinematográfica.
Em 1903, o americano Edwin S. Porter produziu e dirigiu um filme de oito minutos: The Gret Train Robbery. O cinema inicia sua trajetória como arte popular nos EUA, e os filmes curtos de ação emergem como indústria.
O cinema está sempre mudando:
1º - porque é uma arte muito recente;
2º - é uma arte cujas ideias e tecnologias andam lado a lado.
A invenção de unir som e imagem mudou a própria natureza dos filmes, mas isso não representou um avanço na linguagem cinematográfica, porque o período de maior desenvolvimento da linguagem se situa nas décadas de 10 e 20, quando os filmes eram mudos.
Filmes que se destacaram nesta fase:
 Ouro e Maldição de Eric Von Strohein (1925, EUA);
 O Encouraçado Potemkin de Eisenstein (1925, URSS):
 Metrópolis de Fritz Lang (1926, Alemanha);
 Fausto de F. W. Murnau (1926, Alemanha);
 Napoleão de Abel Gance (1925-7, França;
 Sangue Mineiro de Humberto Mauro (1928, Brasil) e
 Limite de Mário Peixoto (1930, Brasil).
Dentre os diretores, o mais importante foi D. W. Griffith, um americano que estabeleceu os fundamentos da montagem da narrativa do cinema. Ele descobriu que poderia alterar as várias dimensões do plano com a câmera, afastando, aproximando e cortando atores, obtendo diferentes tensões dramáticas.
A Avant-Gard, movimento da década de 30, libertava o cinema da influência da literatura, com Luis Buñuel (influenciado pelo surrealismo e o cinema poético de Jean Vigo e René Clair (Nós e a liberdade e Paris dorme).
O inventivo cinema alemão que na década de 20, foi influenciado pela arte expressionista e as técnicas do teatro clássico do período, no início dos anos 30 estava virtualmente morto.
Na passagem do cinema mudo para o sonoro, o equipamento pesado atrapalhava a mobilidade da câmera e fez a linguagem regredir. A Warner Bros., um estúdio com problemas financeiros, apostou em um processo que juntava som e imagem e iniciou as filmagens de Cantor de Jazz, de Crosland, o que provocou um aperfeiçoamento dos roteiros, porque os diálogos deveriam aparecer na tela e os atores teriam de interpretá-los com uma boa dicção.
O som era uma tecnologia nova, mas obrigava mudanças na produção e na linguagem.
Na Inglaterra, o primeiro filme sonoro do mestre Alfred Hitchcock, Chantagem, é de 1929, que inicialmente era para ser mudo, mas durantes as filmagens decidiram que seria sonoro.
Nos anos 40, temos um novo estágio no cinema. Com o lançamento de Cidadão Kane, em 1941, os EUA, criam uma novidade narrativa, o flasback. Mas Welles, introduziu novas tecnologias e interferência da voz narrando certas situações, o que contribuiu para o fracasso do filme na ocasião. Hoje, no entanto, é considerado um dos melhores filmes de todos os tempos.
Com Roma, cidade aberta, de Roberto Rosselini, surge o neo-realismo, termo lançado em 1943, por um crítico e roteirista italiano, Umberto Barbaro. O movimento se desenvolve na Itália pós guerra, e ao mesmo tempo em que é uma reação ao cinema acadêmico e esclerosado, quer descrever a sociedade italiana traumatizada pelos vinte anos de fascismo. Parece que o termo foi empregado pela primeira vez em 1943 pelo produtor Mario Serandrei para se referir a Ossessione (1942), de Luchino Visconti. Mas Roma, cidade aberta faz explodir o neo-realismo somente dois anos depois, e foi rodado pelas estradas de Roma, durante os dois últimos dias da ocupação alemã, com a película recuperada entre materiais de documentários de propaganda.
A partir de Roma, cidade aberta, o cinema italiano floresceu, e em poucos anos produziu uma das maiores obras-primas pós-guerra: paisà (1946) e Alemanha, ano zero (1947), também de Rosselini.
O período de ouro do neo-realismo terminou no início dos anos 1950. Rosselini rodou ainda alguns filmes de prestígio, como II miracolo, com Anna Magnani e um jovem ator Frederico Fellini. Em 1952, abandonou o gênero narrativo e dedicou-se a documentários e à reconstrução de eventos históricos em produções televisivas.
Em 1953, Luchino Visconti dirigiu Sedução da carne, que marca a passagem do neo-realismo para o realismo, ou “poética da perseguição”, que retoma a tradição romântica do século XIX.
A experiência do neo-realismo se fechou com Umberto D, e depois vieram muitos filmes que traíam o sentido profundo do neo-realismo. Entre eles Pão, amor e fantasia (1953), de Luigi Comencini, com Gina Lollobrigida em início de carreira.
No campo cômico-popular, a herança do neo-realista é visível na série de Giovanni Guareschi dedicada ao personagem dom Camilo, que foi sucesso de bilheteria. O legado do neo-realismo influenciou também grandes nomes do cinema italiano entre 1950 e 1960, como Michelangelo Antonioni e Fellini.
Na década de 60 surgiu a Nouvelle Vague (nova onda) na França, com grupo de jovens cineastas e, paralelamente, em outros países, surgiam com outros nomes como no Reino unido, Polônia, Brasil e Alemanha com o intuito de regenerar uma cinematografia em declínio e, assim, contribuiu para o cinema francês.
O êxito dos filmes, devido ao talento dos jovens realizadores, favoreceu a produção de numerosos longas-metragens.
A Nouvelle Vague não foi considerada uma escola estética tão autêntica como o free cinema britânico ou o neo-realismo italiano, mas as transformações econômicas do cinema francês e as ajudas públicas contribuíram para a sua expansão.
Alguns nomes e sucesso: Cavalier, Marker, Mocky, Demy, Rivette, Rohmer e, especialmente, Godar e Resnais.
No início dos anos 60 o cinema brasileiro começa a se destacar internacionalmente, com os filmes do Cinema Novo. Apesar de no fim dos anos 40 surgirem companhias de grandes estúdios como a Vera Cruz, a Multifilme, a Maristela, houve um fracasso. A partir daí, no Rio de Janeiro, um grupo de jovens intelectuais abre caminho para um cinema brasileiro desvinculado dos grandes estúdios, barato, com equipamentos leves, mostrando o Brasil de maneira realista.
Surge a expressão “estética da fome”, que abordaria aspectos intrínsecos ao povo brasileiro, que se constituiu numa estética própria.
Nas décadas de 70 e 80 a estética de vanguardas torna-se cada vez mais rarefeita e o modelo de Hollywood impõe-se novamente. Mesmo assim, em 90, o “cinema do autor” renova-se. Os indies retomam o formato dos longas metragens artesanais, das escola de vanguarda, como underground dos anos 60, priorizando o discurso ficcional e o experimentalismo. Os roteiros são hipertrabalhados e a produção meticulosa. É um modelo clássico, que se utiliza da narrativa clássica, e concomitante faz intervenções na mesma.
A arte cinematográfica ainda é muito nova (100 anos), e por isso mesmo, muitas mudanças ainda vão ocorrer. Apesar de disputar espaço com a televisão, é importante saber que as duas formas são diferentes. Com certeza, o cinema ainda tem um longo caminho a trilhar, independente da chegada da tecnologia digital, há, ainda, um futuro para esta ilusão secular.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Sobre narrativas fílmicas

A obra Narrativas verbais e visuais: leituras refletidas de Juracy Assmann Saraiva (2003, Ed.Unisinos), trabalhada no nosso Curso de Especialização, “Ensino de língua, literatura e mídia, na disciplina de “Literatura e Cinema no Rio Grande do Sul”, ministrada pela Profª Drª Débora Mutter, mudou, em muito, a minha apreciação sobre obras literárias e cinematográficas.
Lendo essa obra, fui convidada ao exame comparativo, quase que detalhado, das narrativas de duas obras: uma cinematográfica, A River Runs Through It, produzida e dirigida por Robert Redford, e outra literária Don Casmurro, de Machado de Assis, as quais inseriram-me em um novo universo, ou seja, o da sutileza da construção das narrativas, que nos prendem a atenção, quando somos espectadores ou leitores.
O que mais me impressionou nesse estudo foi a narrativa fílmica, logo no seu primeiro capítulo, ao abordar a obra A River Runs Through It (Nada é para Sempre), na qual imagens, palavras, e também a ausência delas prendem os espectadores, receptores que compartilham da intencionalidade do autor, quando, na manisfestação e expressão, consegue cativar esse espectador-receptor para adesão ao contrato de veracidade.
Por contrato de veracidade, segundo Juracy Assmann, entende-se que: “ Diante de um texto narrativo, qualquer que seja sua linguagem, o receptor empírico desenvolve uma competência particular que lhe permite aderir às regras do jogo. Essa adesão desencadeia o diálogo do sujeito consigo mesmo e com o momento histórico da leitura, diante das referências, dos enunciados metafóricos, qualidades e valores da realidade, diante dos quais o sujeito se interroga e se posiciona, em um exercício de autorrevelação.

A River Runs Through It (Nada é para Sempre - título no Brasil ou Duas Vidas e o Rio - título em Portugal) , 1992 baseia-se em um romance semi autobiográfico de Norman MacLean. O livro conta a história do autor e sua criação religiosa de filho de pastor presbiteriano na Montana do início do século 20, Missoula. A família MacLean é comandada (espiritualmente) pelo reverendo MacLean (Tom Skerrit) e sua amada esposa (Brenda Blethyn). Apesar de ser rígido na educação de seus filhos, Norman (Craig Sheffer) e Paul (Brad Pitt), também os encoraja. Entre o reverendo e os filhos sempre houve o hábito de pescar, na verdade não havia uma clara linha que dividisse religião de pescaria. Norman e Paul não foram para a 1ª Guerra Mundial e, logo após o fim do conflito, Norman deixou Missoula e foi para a faculdade, onde descobriu que gostava de lecionar. Já Paul ficou trabalhando como repórter na sua cidade, pois gostava de se divertir, beber e jogar e nunca sentiu interesse em se envolver com o estudo acadêmico. Ao voltar para Missoula, Norman espera uma resposta para um emprego de professor e neste meio tempo se apaixona por Jessie Burns (Emily Lloyd). As diferenças entre ele e Paul ficam mais evidentes e, apesar de gostar da boêmia, Paul se mostra um bom pescador. Desde a infância, Norman (Craig Sheffer) viveu à sombra de Paul (Brad Pitt), o irmão mais novo. E ambos receberam do pai as noções de vida e amor por meio da pesca. Já adultos, Norman virou um homem respeitável e Paul, um jornalista sempre às voltas com encrencas de toda espécie .

No filme há uma beleza singular nas fotografias em sépia. São os elementos de imagem, resultantes do movimento da câmera, juntamente com a sonoridade do filme, ou seja, a música, pelo ruído das águas do rio, que criam significações à narrativa. A luz e a sombra das belas paisagens intensificam o encontro do homem com a natureza, tornando-se parte da narrativa. A compreensão e o envolvimento do espectador com essa narrativa se dá pela inferência das imagens e pela enunciação.
Acredito que para um diretor não deva ser uma tarefa fácil substituir o poder das palavras por imagens ou pelo silêncio, uma vez que as palavras dentro de uma narrativa fílmica, funcionam como um elemento importante. Porém, muitas vezes a câmera pode substituir o narrador. Imagens e sons são colocados à frente do espectador, despertando emoções diante das inúmeras situações apresentadas pela narrativa cinematográfica.
Para Assmann, a passagem constituída pela imagem do rio e do murmúrio da água, pelas palavras e pelas mãos que preparam a isca, pela música, pela sequência de fotografias, traz informações diegéticas, mas define igualmente a relação contratual, ou seja, estabelece regras próprias de um mundo fictício que, todavia, intenta impor-se como verídico.
A noção de tempo é trabalhada em duas dimensões: o cronológico e psicológico. O tempo cronológico se resume ao espaço de tempo passado desde a infância até a morte de Paul. O tempo psicológico é intenso, pois o narrador-protagonista (Norman) traz à memória os fatos passados de sua vida familiar e procura respostas para a morte de seu irmão (Paul), mas essas respostas não são elucidadas ao longo do desenrolar da ação.
Também pude observar a intensidade do discurso não-verbal, que vem sendo objeto de minha atenção e está me incentivando a estudar a significação das imagens no cinema: explícita, sendo o que se vê, e implícita, ou seja, o silêncio, porque, na minha visão, o silêncio antecede tudo. Ele fala.

Por fim, fica o convite para assistirem a essa maravilhosa obra cinematográfica e contemplar a riqueza da linguagem que nos hipnotiza e, ao mesmo tempo, nos domina, provocando, pelo poder das palavras, imagens e sons, emoções, reflexões e paixões.

Júlia Bicca

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

HENRIQUE DE FREITAS LIMA E O CINEMA DO SUL


No último dia 11 de setembro, a professora Maria Alice Braga, as alunas do Curso de Pós-Graduação em Língua e Literatura e eu tivemos a satisfação de receber o diretor de cinema, Henrique de Freitas Lima, em uma aula da disciplina Literatura e Cinema no Rio Grande do Sul, sob minha responsabilidade. O objetivo era um contato mais estreito entre a realidade técnica do cinema e seus laços com a  literatura, no entanto, todas as expectativas foram ultrapassadas.
Com base nos resultados, deduzimos que qualquer acadêmico que deseje aprofundar a pesquisa em torno das relações entre cinema e literatura, à luz do binômio cultura-identidade, no Rio Grande do Sul, cruzará com o nome de Henrique de Freitas Lima. O cineasta gaúcho é um tenaz defensor de questões culturais e identitárias entranhadas no espírito e na realidade sulina, distante do superficialismo festivo e folclórico que, não raro, remete ao estereótipo, obliterando questões importantes.
Diretor, produtor e roteirista, Henrique tem uma considerável filmografia de obras para o cinema e para a televisão que, invariavelmente, remetem a aspectos relevantes da nossa realidade.
Considerando-se a antiguidade da literatura, o cinema é ainda uma arte jovem. No Brasil, não possui uma tradição sólida por razões evidentes da nossa condição histórica no plano global do Ocidente. Fazer cinema no Brasil, onde os obstáculos financeiros se erguem como cordilheiras, é uma arte, a arte da persistência. Fazer cinema no Sul é, por conseguinte, ainda mais difícil, pois agregam-se, a esses embaraços, as barreiras culturais internas, que fazem o centro político e econômico do Brasil ver o Sul como um país estrangeiro.
de uma perspectiva mais regional, se levarmos em conta certa polêmica que insiste na estéril oposição entre o urbano e o rural, poderemos inicialmente identificar as obras do diretor gaúcho no lado que privilegia este último, tendo em vista os cenários e as temáticas de seus filmes.
Para complicar ainda mais, a mesma controvérsia, que afeta também a literatura, antagoniza o tempo nas narrativas cinematográficas. É como acreditar que o presente está para o urbano assim como o passado está para o rural: a cidade e o presente de um lado, o pampa e o passado de outro. É mais que isso, é crer que tal segmentação seja necessária, ou possível, para a fruição e para a interpretação da estética cinematográfica. Campo e presente, cidade e passado não se autoexcluem.  
Mas, desviando dessa infecunda contenda, embora sem ignorá-la e tampouco imune a ela, Henrique de Freitas Lima assume conscientemente uma postura de “guerrilha” nas suas convicções estéticas e culturais. Independente do tempo e do lugar em que se situam suas histórias, ele privilegia a representação da alma humana, atravessando todos os tempos e todos os espaços.
Os dramas, os conflitos, os desvarios, as paixões, as delicadezas do espírito, as mesquinharias do homem na sua solidão comparecem como alvos privilegiados do diretor e roteirista.
É assim que o cineasta mantém um estreito diálogo com a literatura e um constante acercamento à valorização de personagens históricas e de outros segmentos artísticos, como é o caso do filmeConcerto campestre”, baseado na obra de Luiz Antônio de Assis Brasil; do filmeLua de outubro”, baseado em três contos do escritor Uruguaio Mário Arregui; da sérieContos Gauchescospara televisão, baseados na obra do escritor pelotense, Simões Lopes Neto e do documentário sobre o pintor e desenhista bageense Danúbio Gonçalves, primeiro episódio da sérieGrandes Mestres”. Fiel às suas convicções estéticas e culturais, Henrique defende que a qualidade ou o mérito de uma obra artística tanto independe quanto não exige o abandono das marcas de regionalidade.
Sua atitude corresponde a uma prática facilmente constatável também na literatura: todos os grandes escritores escrevem sobre aquilo que lhes pertence, seus universos culturais são o ponto de partida. Por metonímia geográfica e cultural, tudo se situa em uma região, que, por sua vez, pertence ao país e, portanto, integra o universal. Por outro lado, ninguém pode se expressar com propriedade solapando aquilo que lhe é mais familiar. Do mesmo modo, nenhum acontecimento presente pode almejar um futuro, ignorando a sombra fiel, inarredável e constituinte de seu próprio pretérito. O passado é inesgotável porque é também o tempo das narrativas, é o lugar dos mitos fundadores da História. Penetrar nesse obscuro e imóvel plano pressupõe mistério e desafio. Por isso, é também um ato desmitificador que sempre acena como possibilidade de transgressão àquele que contempla e interpreta os caminhos traçados pelo filme.
Saudamos o diretor Henrique de Freitas Lima pelas convicções das ideias com que realiza e defende a sua arte.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A SAGA DOS MUCKERS E SUAS REPRESENTAÇÕES


A imigração alemã do Rio Grande do Sul é uma história de promessas, lutas e sofrimentos, sucedida, após longos anos de glórias e pioneirismos contados por diferentes historiadores, muitos dos quais protagonistas ou parentes dos próprios personagens dessa mesma história.
Em 1824, chegaram ao Rio Grande do Sul os primeiros imigrantes alemães, atraídos para o Brasil sob a promessa de terras fartas e futuro promissor. Em princípio, eram 126 pessoas, vindas em dois navios, que desembarcaram em Porto Alegre, e, posteriormente, instalaram-se nas únicas terras desbravadas a serviço do governo, também distantes de Porto Alegre, uma localidade chamada Feitoria Velha e a outra, Estância Velha. A primeira destinava-se a fornecer o cânhamo para a produção do cordame, e a última, à criação de gado.
As terras ficavam às margens do Rio dos Sinos, na cidade que é hoje São Leopoldo. Na época, a primeira colônia fundada pelos alemães e batizada com esse nome em homenagem à Imperatriz D. Leopoldina. Os alemães não encontraram uma vida fácil, tiveram de desbravar as terras, abrindo picadas no meio da mata, padecendo aos perigos de animais peçonhentos e a um clima, muitas vezes hostil. Além disso, a proximidade com os índios, moradores primitivos desta terra prometida, careceu de grande habilidade e desenvoltura, a fim de uma convivência pacífica entre ambas as etnias e o choque cultural, natural entre povos muito distintos.
Aos poucos, esses imigrantes foram construindo cabanas em meio às florestas e descobrindo maneiras de subsistir, formando aqui e acolá pequenos núcleos coloniais, cultivando e consumindo seus próprios alimentos e criando animais de pequeno porte. Mais além, passados os sofrimentos dos primeiros anos, vieram os colonos a progredirem, pois souberam como ninguém, administrar suas colônias, produzindo dali, lucro e maior conforto, a cada ano, depois de incessante labuta.
No ano de 1874, após 50 anos da chegada dos primeiros imigrantes, aconteceu, entre esses colonos persistentes, um episódio sangrento que é conhecido como a Revolta dos Muckers.
Os Muckers (santarrões em alemão) eram colonos que moravam na cidade de Sapiranga, antes denominada comunidade do Padre Eterno, e que formaram uma seita religiosa, liderada por Jacobina Mentz Maurer e seu marido João Maurer. A colônia ficava aos pés do Morro Ferrabrás em Sapiranga, hoje, lugar conhecido pela prática de esportes radicais como paraquedismo, asa-delta e similares. A seita, que começara com alguns enfermos que procuravam por João Maurer, na verdade um curandeiro, a quem recorriam pela falta de médicos na região, cresceu e adquiriu, no final, em torno de 200 seguidores.
Pela falta de estrutura e descaso das autoridades governamentais, que muito prometeram e quase nada cumpriram, os colonos sentiam-se traídos e jogados à sorte. Não demorou muito para sentirem-se também desprovidos de uma assistência espiritual e educacional, procurando alento nas sessões de leituras bíblicas comandadas por Jacobina. A própria Jacobina se intitulava, segundo escritos históricos, enviada de Cristo e com uma missão de cura espiritual. Os seguidores da seita viam na líder uma verdadeira mãe, sendo capazes de segui-la e protegê-la contra qualquer adversidade.
A seita começava a incomodar pessoas influentes na localidade, deixando parte da população indignada e revoltada com a messiânica e as suas práticas religiosas. Houve muitos atritos e fofocas, até mesmo entre os parentes de Jacobina, uns que aceitavam e outros que eram contra a religiosa.
O fato é que o caso tomou proporções violentas quando mortes começaram a acontecer e, dali para frente, vários episódios sangrentos exigiram a interferência dos militares, comandados, numa primeira batalha contra os muckers, pelo Coronel Genuíno Sampaio. Nessa batalha, subestimando os colonos, os militares saíram derrotados e com vários soldados mortos. No entanto, numa segunda tentativa, tiveram êxito, em 18 de julho de 1874, matando vários muckers. Contudo, Jacobina e alguns seguidores conseguiram fugir e, nesse ínterim, alvejaram o Coronel Genuíno, que veio a falecer de hemorragia.
Escondidos na mata sofreram novo ataque pelos militares, mais ou menos no mês seguinte, pois foram denunciados por um ex-integrante da seita, que os traiu, e assim, acabaram chacinados pelos soldados.
O caso dos muckers foi contado em perspectiva histórica pelo pesquisador Padre Ambrósio Schupp e pelo historiador Leopoldo Petry, assim como, no plano artístico, serviu de argumento para a produção cinematográfica dos diretores Jorge Bodanski e Wolf Gauer, em 1978, intitulado Os Muckers. A literatura também se dedicou à representação ficcional romanesca do episódio na obra do romancista Porto Alegrense Luiz Antônio da Assis Brasil, intitulada Videiras de Cristal, que foi levada novamente ao cinema em 2003, pelo cineasta Fábio Barreto com o filme intitulado A paixão de Jacobina, baseado na obra literária do escritor gaúcho.
O filme, A paixão de Jacobina, traz uma visão bastante estereotipada do que seria a imigração dos alemães do Rio Grande do Sul, e exagera nas cenas em que a atriz Letícia Spiller interpreta a Jacobina, o que deixa o espectador acreditando ser uma louca mesmo, profana e desvairada, com aquela coroa de flores na cabeça recitando capítulos da bíblia em cima de árvores.
Um dos grandes problemas de abordagens de temas históricos em obras artísticas como o cinema é o risco de construir um imaginário que, ao invés de contribuir para melhor compreensão de nosso passado, acabe se distanciando do que efetivamente ocorreu, criando imagens equivocadas de pessoas e acontecimentos.
No filme de Barreto é possível observar uma Jacobina em dupla faceta, quando, por exemplo, depois de casada, trai o marido com Franz, na cena da cascata. Depois ela se arrepende e se sente impura, expulsando o amante. Quer a purificação, desistindo de seus desejos carnais e tirando a roupa diante do crucifixo, dizendo que pertence a Jesus. Ao mesmo tempo em que se vê Jacobina humana e mulher, normal como qualquer outra, cria-se ao redor dela uma intenção pecaminosa, desvirtuando o que se imagina de Jacobina real: uma mulher preocupada com a espiritualidade e o bem-estar do próximo, como os seus seguidores a viam. Nesse aspecto, a ambigüidade está presente. A paixão de Jacobina é uma paixão como a de Cristo, ou é uma paixão carnal?
Por outro lado, o cinema não tem obrigação de relatar os fatos, passo a passo, pois seu compromisso está ligado à arte. Ao filme devem ser incorporados novos elementos, ocorrendo daí novos significados. Também não se pode cobrar uma fidelidade, se baseado em romances, pois configuraria uma cópia oral e visual da narrativa escrita. A mescla de vários elementos envolvidos, aliados à criatividade e ao inusitado, se constitui numa nova obra.
Como narrativa histórica, A paixão de Jacobina tende a seguir a visão do Padre Ambrósio, recontada pelos colonos e outros que viveram à época. Mas tanto os registros históricos, como a obra literária Videiras de Cristal denotam o desamparo sofrido pelos colonos, o que não se viu no filme.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Reflexões acerca do filme Lua de Outubro

Reflexões acerca do filme Lua de Outubro.


O filme Lua de Outubro baseia-se em três contos do autor uruguaio Mário Arregui, que são: Três homens, Uma égua e três cavalos e Lua de Outubro. O filme tem uma equipe de primeira linha, liderada por Henrique de Freitas Lima e o roteiro equilibrado de Alfredo Sirkis. Vale destacarmos que essa foi a primeira produção do MERCOSUL.

Ao longo dos contos de Arregui, podemos observar seu estilo minucioso, que se realiza por meio das descrições que são feitas nos contos. O autor descreve as mais belas paisagens, através dos campos, dos animais e a vegetação farta. Ele mostra a lida do campo e a rotina rural como realmente acontece, fazendo com que o leitor se transporte para tal cenário. Foi possível observarmos que, no filme o cenário também foi muito bem explorado, assim como nos contos.

Outro aspecto que chama a atenção é a maneira inteligente e bem colocada como foram inseridas algumas situações de três contos diferentes em um mesmo filme. Podemos citar como exemplo, a situação de duelo pela liberdade entre Velasco e o Comissário, onde Velasco mata o Comissário com uma faca e fica livre; essa passagem está presente no conto Três homens.E a presença de Dona Viviana, curandeira e vidente, do conto, Uma égua e três cavalos, que ajuda a desvendar o mistério do sumiço dos animais e alerta Pedro Arzábal para que se afaste da moça(Niña Leonor), prevendo já a tragédia, mencionada no conto Lua de Outubro.

O conto que, de certa forma predomina e também dá nome ao filme é Lua de Outubro, que conta a história do Rio Grande do Sul, em que terminada a Revolução de 1923 entre republicanos e federalistas, o capitão republicano Pedro Arzábal, que agora quer paz. Como recompensa pela sua bravura nessa luta entre chimangos e maragatos, ele ganha a posse de algumas terras, na fronteira. Ao chegar nessa região, onde pretende estabelecer-se, ele se depara com a figura de Don Marcial López, chefe político da região, não muito disposto a compartilhar seus bens. Além de novos desafios, encontra os mistérios de Niña Leonor, que também está chegando, acompanhada de uma freira do colégio onde esteve internada. Todos percebem que sua volta para casa ocorreu em função de algo grave que aconteceu lá.

O roteiro da obra cinematográfica mantém uma considerável fidelidade a alguns aspectos dos contos como: Três homens, Uma égua e três cavalos. Mas, em especial, com relação ao conto homônimo e eixo norteador da obra fílmica, Lua de Outubro.

O filme coloca de forma eficiente, a metáfora da personagem Niña Leonor com o inseto louva-a-deus, cuja fêmea, depois de copular, mata o macho. Por duas vezes, a personagem executa seus parceiros no filme. A primeira, na estrebaria do convento onde se entrega a um rapaz e depois o mata com vários tiros, depois de ser flagrada pela irmã do convento. A segunda execução ocorre na casa de seus pais, quando se encantou por Pedro Arzábal. Ela então o procura no quarto durante a madrugada, e se entrega ao mesmo, depois, sai na calada da noite e retorna ao amanhecer, quando relembra o episódio do passado, ocorrido no convento...pega a arma de Pedro Arzábal e dispara vários tiros contra ele, certa da morte dele! Através dessa passagem, o filme mostra o sexo brutal e o final trágico presente também no conto Lua de Outubro.
O filme Lua de Outubro aposta no realismo para descrever o lugar e o tempo onde se ambienta a história, numa região tomada pelo ódio e a guerra perece não ter acabado. Elementos da ficção e o perfil dos personagens configuram uma trama com passagens ora comoventes, intrigantes ou amargas.
Assi. Nádia Sabedra Pujol