sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Sobre narrativas fílmicas

A obra Narrativas verbais e visuais: leituras refletidas de Juracy Assmann Saraiva (2003, Ed.Unisinos), trabalhada no nosso Curso de Especialização, “Ensino de língua, literatura e mídia, na disciplina de “Literatura e Cinema no Rio Grande do Sul”, ministrada pela Profª Drª Débora Mutter, mudou, em muito, a minha apreciação sobre obras literárias e cinematográficas.
Lendo essa obra, fui convidada ao exame comparativo, quase que detalhado, das narrativas de duas obras: uma cinematográfica, A River Runs Through It, produzida e dirigida por Robert Redford, e outra literária Don Casmurro, de Machado de Assis, as quais inseriram-me em um novo universo, ou seja, o da sutileza da construção das narrativas, que nos prendem a atenção, quando somos espectadores ou leitores.
O que mais me impressionou nesse estudo foi a narrativa fílmica, logo no seu primeiro capítulo, ao abordar a obra A River Runs Through It (Nada é para Sempre), na qual imagens, palavras, e também a ausência delas prendem os espectadores, receptores que compartilham da intencionalidade do autor, quando, na manisfestação e expressão, consegue cativar esse espectador-receptor para adesão ao contrato de veracidade.
Por contrato de veracidade, segundo Juracy Assmann, entende-se que: “ Diante de um texto narrativo, qualquer que seja sua linguagem, o receptor empírico desenvolve uma competência particular que lhe permite aderir às regras do jogo. Essa adesão desencadeia o diálogo do sujeito consigo mesmo e com o momento histórico da leitura, diante das referências, dos enunciados metafóricos, qualidades e valores da realidade, diante dos quais o sujeito se interroga e se posiciona, em um exercício de autorrevelação.

A River Runs Through It (Nada é para Sempre - título no Brasil ou Duas Vidas e o Rio - título em Portugal) , 1992 baseia-se em um romance semi autobiográfico de Norman MacLean. O livro conta a história do autor e sua criação religiosa de filho de pastor presbiteriano na Montana do início do século 20, Missoula. A família MacLean é comandada (espiritualmente) pelo reverendo MacLean (Tom Skerrit) e sua amada esposa (Brenda Blethyn). Apesar de ser rígido na educação de seus filhos, Norman (Craig Sheffer) e Paul (Brad Pitt), também os encoraja. Entre o reverendo e os filhos sempre houve o hábito de pescar, na verdade não havia uma clara linha que dividisse religião de pescaria. Norman e Paul não foram para a 1ª Guerra Mundial e, logo após o fim do conflito, Norman deixou Missoula e foi para a faculdade, onde descobriu que gostava de lecionar. Já Paul ficou trabalhando como repórter na sua cidade, pois gostava de se divertir, beber e jogar e nunca sentiu interesse em se envolver com o estudo acadêmico. Ao voltar para Missoula, Norman espera uma resposta para um emprego de professor e neste meio tempo se apaixona por Jessie Burns (Emily Lloyd). As diferenças entre ele e Paul ficam mais evidentes e, apesar de gostar da boêmia, Paul se mostra um bom pescador. Desde a infância, Norman (Craig Sheffer) viveu à sombra de Paul (Brad Pitt), o irmão mais novo. E ambos receberam do pai as noções de vida e amor por meio da pesca. Já adultos, Norman virou um homem respeitável e Paul, um jornalista sempre às voltas com encrencas de toda espécie .

No filme há uma beleza singular nas fotografias em sépia. São os elementos de imagem, resultantes do movimento da câmera, juntamente com a sonoridade do filme, ou seja, a música, pelo ruído das águas do rio, que criam significações à narrativa. A luz e a sombra das belas paisagens intensificam o encontro do homem com a natureza, tornando-se parte da narrativa. A compreensão e o envolvimento do espectador com essa narrativa se dá pela inferência das imagens e pela enunciação.
Acredito que para um diretor não deva ser uma tarefa fácil substituir o poder das palavras por imagens ou pelo silêncio, uma vez que as palavras dentro de uma narrativa fílmica, funcionam como um elemento importante. Porém, muitas vezes a câmera pode substituir o narrador. Imagens e sons são colocados à frente do espectador, despertando emoções diante das inúmeras situações apresentadas pela narrativa cinematográfica.
Para Assmann, a passagem constituída pela imagem do rio e do murmúrio da água, pelas palavras e pelas mãos que preparam a isca, pela música, pela sequência de fotografias, traz informações diegéticas, mas define igualmente a relação contratual, ou seja, estabelece regras próprias de um mundo fictício que, todavia, intenta impor-se como verídico.
A noção de tempo é trabalhada em duas dimensões: o cronológico e psicológico. O tempo cronológico se resume ao espaço de tempo passado desde a infância até a morte de Paul. O tempo psicológico é intenso, pois o narrador-protagonista (Norman) traz à memória os fatos passados de sua vida familiar e procura respostas para a morte de seu irmão (Paul), mas essas respostas não são elucidadas ao longo do desenrolar da ação.
Também pude observar a intensidade do discurso não-verbal, que vem sendo objeto de minha atenção e está me incentivando a estudar a significação das imagens no cinema: explícita, sendo o que se vê, e implícita, ou seja, o silêncio, porque, na minha visão, o silêncio antecede tudo. Ele fala.

Por fim, fica o convite para assistirem a essa maravilhosa obra cinematográfica e contemplar a riqueza da linguagem que nos hipnotiza e, ao mesmo tempo, nos domina, provocando, pelo poder das palavras, imagens e sons, emoções, reflexões e paixões.

Júlia Bicca

4 comentários:

  1. Oi, Júlia!
    Parabéns pela postagem. Vamos nos encontrando por aqui, trocando ideias e aprendendo. Li todo o teu texto da aula passada.
    Um abraço,
    Nara

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  2. Olá, Júlia!
    Gostei muito da sua análise do filme, aliada ao estudo da narrativa fílmica e textos trabalhados nas nossas aulas. Parabéns!!!! Aceito o convite para assistir ao filme!!!
    Aproveito o momento para sugerir a leitura do livro que estou lendo: "A narrativa cinematográfica", de André Gaudreaut e François Jost.
    Um grande abraço
    Tânia

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  3. Olá, Júlia!
    É bom ter esse retorno sobre as indicações de leitura que faço. Fico satisfeita que tenhas apreciado com entusiasmo o estudo da professora Juracy Assmann.
    Abraço e boas leituras!

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  4. Oi,Júlia!
    Parabéns pelo texto e fiquei muito curiosa para assistir ao filme. Que possamos continuar trocando ideias neste espaço.
    Um abraço - Nádia.

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