segunda-feira, 20 de setembro de 2010

HENRIQUE DE FREITAS LIMA E O CINEMA DO SUL


No último dia 11 de setembro, a professora Maria Alice Braga, as alunas do Curso de Pós-Graduação em Língua e Literatura e eu tivemos a satisfação de receber o diretor de cinema, Henrique de Freitas Lima, em uma aula da disciplina Literatura e Cinema no Rio Grande do Sul, sob minha responsabilidade. O objetivo era um contato mais estreito entre a realidade técnica do cinema e seus laços com a  literatura, no entanto, todas as expectativas foram ultrapassadas.
Com base nos resultados, deduzimos que qualquer acadêmico que deseje aprofundar a pesquisa em torno das relações entre cinema e literatura, à luz do binômio cultura-identidade, no Rio Grande do Sul, cruzará com o nome de Henrique de Freitas Lima. O cineasta gaúcho é um tenaz defensor de questões culturais e identitárias entranhadas no espírito e na realidade sulina, distante do superficialismo festivo e folclórico que, não raro, remete ao estereótipo, obliterando questões importantes.
Diretor, produtor e roteirista, Henrique tem uma considerável filmografia de obras para o cinema e para a televisão que, invariavelmente, remetem a aspectos relevantes da nossa realidade.
Considerando-se a antiguidade da literatura, o cinema é ainda uma arte jovem. No Brasil, não possui uma tradição sólida por razões evidentes da nossa condição histórica no plano global do Ocidente. Fazer cinema no Brasil, onde os obstáculos financeiros se erguem como cordilheiras, é uma arte, a arte da persistência. Fazer cinema no Sul é, por conseguinte, ainda mais difícil, pois agregam-se, a esses embaraços, as barreiras culturais internas, que fazem o centro político e econômico do Brasil ver o Sul como um país estrangeiro.
de uma perspectiva mais regional, se levarmos em conta certa polêmica que insiste na estéril oposição entre o urbano e o rural, poderemos inicialmente identificar as obras do diretor gaúcho no lado que privilegia este último, tendo em vista os cenários e as temáticas de seus filmes.
Para complicar ainda mais, a mesma controvérsia, que afeta também a literatura, antagoniza o tempo nas narrativas cinematográficas. É como acreditar que o presente está para o urbano assim como o passado está para o rural: a cidade e o presente de um lado, o pampa e o passado de outro. É mais que isso, é crer que tal segmentação seja necessária, ou possível, para a fruição e para a interpretação da estética cinematográfica. Campo e presente, cidade e passado não se autoexcluem.  
Mas, desviando dessa infecunda contenda, embora sem ignorá-la e tampouco imune a ela, Henrique de Freitas Lima assume conscientemente uma postura de “guerrilha” nas suas convicções estéticas e culturais. Independente do tempo e do lugar em que se situam suas histórias, ele privilegia a representação da alma humana, atravessando todos os tempos e todos os espaços.
Os dramas, os conflitos, os desvarios, as paixões, as delicadezas do espírito, as mesquinharias do homem na sua solidão comparecem como alvos privilegiados do diretor e roteirista.
É assim que o cineasta mantém um estreito diálogo com a literatura e um constante acercamento à valorização de personagens históricas e de outros segmentos artísticos, como é o caso do filmeConcerto campestre”, baseado na obra de Luiz Antônio de Assis Brasil; do filmeLua de outubro”, baseado em três contos do escritor Uruguaio Mário Arregui; da sérieContos Gauchescospara televisão, baseados na obra do escritor pelotense, Simões Lopes Neto e do documentário sobre o pintor e desenhista bageense Danúbio Gonçalves, primeiro episódio da sérieGrandes Mestres”. Fiel às suas convicções estéticas e culturais, Henrique defende que a qualidade ou o mérito de uma obra artística tanto independe quanto não exige o abandono das marcas de regionalidade.
Sua atitude corresponde a uma prática facilmente constatável também na literatura: todos os grandes escritores escrevem sobre aquilo que lhes pertence, seus universos culturais são o ponto de partida. Por metonímia geográfica e cultural, tudo se situa em uma região, que, por sua vez, pertence ao país e, portanto, integra o universal. Por outro lado, ninguém pode se expressar com propriedade solapando aquilo que lhe é mais familiar. Do mesmo modo, nenhum acontecimento presente pode almejar um futuro, ignorando a sombra fiel, inarredável e constituinte de seu próprio pretérito. O passado é inesgotável porque é também o tempo das narrativas, é o lugar dos mitos fundadores da História. Penetrar nesse obscuro e imóvel plano pressupõe mistério e desafio. Por isso, é também um ato desmitificador que sempre acena como possibilidade de transgressão àquele que contempla e interpreta os caminhos traçados pelo filme.
Saudamos o diretor Henrique de Freitas Lima pelas convicções das ideias com que realiza e defende a sua arte.

2 comentários:

  1. Querida professora Débora
    Maravilhoso o seu texto. É incrível como estamos nos fortalecendo com suas aulas. Realmente, o blog está sendo um espaço rico para todas nós e, com certeza, aos visitantes.
    Um abraço
    Tânia

    ResponderExcluir
  2. Tânia, agradeço as palavras. Fico feliz que estejam sendo proveitosas as aulas. Isso é o que mais importa. Abraço!

    ResponderExcluir